Deus está desempregado?

Transcrevo para aqui um artigo que encontrei, que muito me tocou e que considero de muito bom...
"A Academy of Management criou, em 1999, o grupo de interesse "Gestão, espiritualidade e religião". Diversas revistas científicas (exs.: Journal of Management Inquiry; Journal of Organizational Change Management) dedicaram números especiais à matéria. E as conferências sobre o tópico também vão sendo realizadas. Estes factos consagram o interesse científico por uma matéria até há pouco tempo arredada das preocupações dos gestores e dos académicos. E conferem alguma credibilidade a eventos tão originais quanto (a) cursos universitários para executivos de Silicon Valley sobre a "espiritualidade na liderança dos negócios", (b) programas empresariais envolvendo meditação, oração e cursos sobre milagres e jornadas xamanistas e (c) encontros espirituais de executivos que rezam, estudam textos sagrados e partilham crenças religiosas. Os executivos que frequentam estes cursos referem que aprendem a escutar a sua "voz interior", a obter a serenidade necessária para serem líderes eficazes, especialmente em momentos de crise, e a integrar as suas vidas profissionais e pessoais/familiares. Luís Portela, presidente da Bial, referiu numa entrevista: "É para mim espantoso como 95% da humanidade fala de alma, ou do espírito, como atitude de fé, mas é um espanto que a ciência, durante tanto tempo, tenha vivido algo divorciada dessa realidade e, de uma forma geral, como atitude científica, diga que não existe nada disso. O que me parece que faz falta é uma conjugação de esforços no sentido de um conhecimento do que é a realidade do ser, não só físico como espiritual." Assiste-se, pois, à crítica da "cisão cartesiana" que caracteriza uma porção significativa do pensamento ocidental. Esta fenda distingue entre a mente/espírito e o corpo, entre o indizível e o que os ocidentais percepcionam como o "real" - ou, alternativamente, entre o subjectivo e o objectivo, o material e o imaterial. Em oposição a essa fenda, advoga-se agora a necessidade de encarar os membros organizacionais como seres compostos por corpo, mente, emoções e alma/espírito. Judith Neal alegou a pertinência da matéria ao citar o "protesto" enfático de um indivíduo: "Chega. Nós somos mais do que custos para a organização. Temos necessidades espirituais. Temos alma. Temos sonhos. Queremos que a nossa vida tenha significado. Queremos contribuir para a sociedade. Queremos sentir-nos bem relativamente ao que fazemos." Mitroff e Denton, na obra Spiritual Audit of Corporate America, argumentam mesmo que a ciência organizacional precisa de analisar, compreender e tratar as organizações como entidades espirituais. Há quem sugira que a espiritualidade nas organizações é uma espécie de "cura" para as maleitas da gestão moderna. Alguns argumentam até que as organizações respeitadoras da unidade corpo-mente- -emoção-espírito obtêm melhores desempenhos e maior competitividade. Outros referem que "os líderes empresariais bem sucedidos do século XXI serão líderes espirituais". E há quem argumente que "as organizações que não fizerem as mudanças necessárias para incorporar a espiritualidade no local de trabalho também fracassarão em fazer a transição para o paradigma da organização aprendente necessária ao sucesso no século XXI". O leitor compreenderá que este cenário suscita questões de enorme relevância. Como distinguir espiritualidade e religião? Que expressões espirituais são ou não legítimas nos locais de trabalho? Quais os riscos de a espiritualidade nas organizações ser instrumentalizada para proselitismos perversos? Não fique o leitor inquieto! Há um razoável consenso em torno de dois pontos. (1) Religião e espiritualidade são matérias distintas. (2) A espiritualidade está radicada na necessidade das pessoas de realizarem trabalho com significado para as suas vidas, de verem respeitada a sua "vida interior", de se sentirem úteis à comunidade e de experimentarem um sentido de comunidade nas suas organizações. Em qualquer caso, uma nota final se requer. Alguém escreveu, em tempos, num graffiti pintado numa estação ferroviária, que "Deus está desempregado". É possível que venha a ser contratado. Nesse caso, importará todavia que não o seja para o cargo de inquisidor, pregador ou profeta. Para desenvolver o assunto: Rego, A., Cunha, M. P. & Souto, S. (2006). Workplace Spirituality Climate, Commitment and Performance. Documentos de Trabalho em Gestão, Universidade de Aveiro, G/ nº 1/2006. Pfeffer, J. (2003). Business and Spirit. In R. A. Giacalone & C. L. Jurkiewicz (Eds.), The handbook of workplace spirituality and organizational performance. New York: M. E. Sharpe." Texto de Arménio Rego Professor da Universidade de Aveiro publicado no DN de 17.11.06
Alberto Miguel